Imersão Literária - E. E. Otto Weiszflog: Clássicos da Literatura Brasileira: Maria Firmina ...

Imersão Literária - E. E. Otto Weiszflog: Clássicos da Literatura Brasileira: Maria Firmina ...: O Enem 2023 nos trás uma importante reflexão sobre o lugar da mulher na sociedade brasileira. "Desafios para o enfrentamento da invisib...

Clássicos da Literatura Brasileira: Maria Firmina dos Reis, presente, ontem, hoje e sempre!

O Enem 2023 nos trás uma importante reflexão sobre o lugar da mulher na sociedade brasileira. "Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil". Enfrentar a invisibilidade do papel da mulher estigmatizada como "cuidadora" é de fato um desafio colossal, visto o histórico de colonização patriarcal e escravagista enraizado até os nossos dias.

Neste mês de novembro, mês da Consciência Negra, o Imersão Literária convida a um mergulho neste tema, fazendo um recorte de raça e classe. "A invisibilidade da mulher negra dentro da pauta feminista faz com que ela não tenha seus problemas nem ao menos nomeados. E não se pensa em saídas emancipatórias para problemas que nem sequer foram ditos." Djamila Ribeiro

Resgatamos a vida e obra de Maria Firmina dos Reis (1822-1917) primeira mulher negra a publicar um livro no Brasil. Nasceu no Maranhão e ficou órfã aos cinco anos. Era presença constante na imprensa local com poesias, ficções, crônicas, enigmas e charadas. Formou-se professora, chegando a conquistar o título de Mestra-Régia. Ficou conhecida com a obra Úrsula, que denuncia as condições das mulheres e dos negros no século XIX em uma sociedade na qual imperavam teorias de superioridade racial e preconceito. Publicou depois A escrava, Cantos à beira-mar e Gupeva.

Trata-se, sem dúvida, de uma das mais importantes escritoras brasileiras de todos os tempos, se não pela complexidade de sua linguagem – como em Adélia Prado, Cora Coralina, Clarice Lispector, Cecília Meirelles, Francisca Júlia, Julia Lopes de Almeida, entre tantos nomes –, pela força de sua literatura, que convida sempre à reflexão face a temas polêmicos como a escravidão, o sexismo e o espaço da mulher em uma sociedade paternalista e escravocrata.


A crítica à escravidão chega a
ser literal: em uma passagem,
a protagonista diz que o regime
“é e sempre será um grande mal”.

“Os tempos eram outros. Em 1887, a escravidão era questionada no país inteiro. Em 1859, Maria Firmina dos Reis teve que usar um tom mais brando em seu romance, pois queria conquistar os leitores para a causa antiescravista. Leitores que, na sua imensa maioria, eram da elite e provavelmente tinham escravos”, afirma a pesquisadora.

Com o passar dos anos, tendo apenas um livro publicado, o nome de Firmina desapareceu. Para Silva, a insistência da autora em denunciar e criticar a escravidão pode ter sido a causa do obscurantismo. “O assunto de que tratava era insalubre demais, uma fala antiescravista em uma das províncias mais escravistas do Brasil. Não a levaram a sério localmente, não queriam ouvi-la falando. E ela não teve como levar seu texto para outros lugares.”

Úrsula e outras obras: dos ressoares de vozes resistentes 

"Apesar de seus avanços e recuos, o século XXI consegue, com muitas lutas, quebrar obstáculos de outros tempos (aqueles dos quais tantos pessimistas têm saudades). Surgem novos pensamentos e tipologias textuais. Inovações. Arejamento. Salve aqueles que acreditam que, embora a passos lentos, a humanidade avança e que, ainda, são plausíveis os sonhos. O projeto é possível, e com ele, uma existência mais autêntica. Acreditamos, como muitos historiadores, filósofos e poetas, que podemos e devemos mudar muita coisa. Os espaços de indeterminação oferecem infinitas possibilidades. Basta saber enxergá-las. E isso não é tarefa fácil. Requer, acima de tudo, uma percepção sutil, aguda, tendo como base uma profunda intuição (no sentido rigoroso da expressão) e muita criatividade. Requer uma sensibilidade que deve ir além das dimensões conhecidas. Eis uma tarefa para poucos. Árdua. Por quê? Acima de tudo porque requer coragem para enfrentar o novo – o desconhecido e tudo que estiver encoberto por brumas.

Nessa perspectiva, olhamos para a extraordinária coletânea de Úrsula e outras obras, obra composta por um romance, dois contos e um livro de poemas. Sua autora, Maria Firmina dos Reis, mulher desconhecida em sua época, negra, bastarda e nordestina, emerge do quase anonimato feminino do século XIX para ser reconhecida hoje como a primeira romancista brasileira. Marguerite Yourcenar afirma que “Há almas que nos fazem acreditar que a alma existe. Nem sempre são as mais geniais, porque as mais geniais são as que souberam melhor se exprimir. São às vezes almas balbuciantes, quase sempre silenciosas”.1 Esse é, justamente, o caso de Maria Firmina dos Reis. A sua obra exprime, em diversos sentidos, uma alma boa, sensível, profundamente afetada pelas dores da escravidão e, em especial, pela condição feminina nesse período infame no Brasil. A escritora destaca a história das mulheres que, perversamente sujeitadas a pessoas sem caráter e sem a mínima piedade e compaixão, enfrentaram situações aterrorizantes e desumanas.

Um dos pontos que merecem ser salientados em Úrsula, seguramente, é o enredo, que não poderia ser compreendido, em sua leveza, sem a percepção do clima mais geral da obra, regido pelo silêncio e por almas sussurrantes. Nessa medida, as descrições da natureza entrecortam e reforçam, em termos de ritmo, a atmosfera do enredo:

E às águas, e a esses vastíssimos campos que o homem oferece seus cânticos de amor? Não por certo. Esses hinos, cujos acentos perdem-se no espaço, são como notas duma harpa eólia, arrancadas pelo roçar da brisa ou como sussurrar da folhagem em mata espessa

São inúmeras as descrições da autora. Com isso o romance ganha em termos de musicalidade. Em outras palavras: a autora permite, como poucos escritores conseguiram, que a descrição não seja uma pausa monótona. As vozes da natureza conseguem dar um tom raro e expressivo à narrativa, como se observa no seguinte trecho:

– Era alta a noite, – prosseguiu ele, com uma voz cavernosa, – o vento ciciava entre os palmares, e a lua, prateando a superfície das águas, passava melancólica por cima destas árvores anosas. A sururina desprendia o seu canto harmonioso; na mata ondulava um vento gemedor, e o mar quebrava-se nas solidões da praia. [...] 

Trata-se de descrição belíssima em que os sons do vento, a luminosidade da lua e os reflexos das águas misturam-se, em perfeita harmonia, com as solidões (narradas ao longo do romance) das personagens.

Úrsula é um romance que replica, sem dúvida, as influências do movimento literário romântico (corrente que, no Brasil, teve pouca autenticidade, já que nosso romantismo foi bastante influenciado pelo europeu): idealização da figura feminina e do amor e constante apresentação da natureza como harmoniosa e sem defeitos. Mesmo assim, Maria Firmina dos Reis consegue dar voz aos que foram regidos pelo esquecimento intencional de esquemas dominantes mais amplos. Eis o valor até mesmo documental do romance. A situação opressiva da mulher, em diversos momentos do livro, é muito bem colocada. É o caso do seguinte fragmento, que reflete não somente a violência contra as mulheres, mas a violência em seu tom mais universal.

 A leitura de Úrsula é um recorte de tempo e espaço que deve ser lido como uma contribuição significativa para um possível resgate histórico e literário de nosso país. "

Por: Ana Maria Haddad Baptista em   https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/35999

Referências:

https://www.brasildefato.com.br/2022/03/11/quem-foi-maria-firmina-dos-reis-icone-do-movimento-antiescravista-que-completaria-200-anos

http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/322-maria-firmina-dos-reis

https://revistacult.uol.com.br/home/centenario-maria-firmina-dos-reis/

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