Imersão Literária - E. E. Otto Weiszflog: Clássicos da Literatura Brasileira, presentes, on...

Imersão Literária - E. E. Otto Weiszflog: Clássicos da Literatura Brasileira, presentes, on...: "Há de existir alguém que lendo o que eu escrevo dirá: isto é mentira! Mas, as misérias são reais." Carolina de Jesus Resenha:  Po...


"Há de existir alguém que lendo o que eu escrevo dirá: isto é mentira! Mas, as misérias são reais."
Carolina de Jesus

Resenha: Por Natalia Sofia Peixoto Lima
Quarto de despejo: Diário de uma favela (Carolina de Jesus)





Quarto de Despejo: o diário de uma favela de Carolina Maria de Jesus atrás para o leitor a nua e crua realidade do que eram e são até hoje as favelas do Brasil. Esse livro é uma coletânea de quase 20 diários escritos durante 5 anos onde a autora descreve seus dias como catadora de papel e mãe solo de três crianças, Vera Eunice, João José e José Carlos.

Carolina nasceu no interior de Minas Gerais, mas ainda jovem se mudou para São Paulo em busca de novas oportunidades. Na terra da garoa a autora conseguiu um barraco na favela do Canindé localizado às margens do rio Tiête, onde passou todo o tempo que escreveu seu livro Quarto de Despejo.

O dia-a-dia de Carolina passa desde ir pegar água, catar papel nas ruas, arrumar uns trocados e receber comida, até as brigas que acontecem na favela; a autora sempre observa que seus vizinhos se embriagam e brigam entre si, o que aborrece terrivelmente Carolina, ela observa que tais acontecimentos desrespeitam as crianças que ficam à margem dos conflitos, a autora tem uma relação de profundo respeito e carinho às crianças.

Essa é uma obra extremamente rica por diversos motivos, dentre eles pode se destacar a literatura poética dessas linhas escritas por uma mulher que só pôde estudar até o segundo ano da educação básica, mas por paixão às letras Carolina tornou-se autodidata usando os materiais encontrados no lixo como forma de aprendizado. Por esse motivo logo no início da leitura nos deparamos com uma nota do editor que se compromete a manter a originalidade do livro ao máximo, isso porque Carolina transita entre um tutorial apurado e um tutorial rudimentar dando vida a sua narrativa o que oferece ao leitor sua essência bem como a de sua história.

SOBRE A LEITURA: Vemos exaustivamente a autora se queixar do abuso da fome aos favelados, e em certo momento a descreve da seguinte forma:

“Eu que antes de comer via o céu, as árvores, as aves, tudo amarelo, depois que comi, tudo normalizou-se aos meus olhos.” A fome é amarela…


Vaca Magra - Márcia Pinheiro*

Carolina gostava de usar metáforas para expressar as coisas, bem como nesse trecho em que é explicado o nome da obra:

“… As oito e meia da noite eu já estava na favela respirando o odor dos excrementos que se misturam com o barro podre. Quando estou na cidade tenho a impressão de que estou na sala de visita com seus lustres de cristais, seus tapetes de viludos, almofadas de sitim. E quando estou na favela tenho a impressão de que sou um objeto fora do uso, digno de estar num quarto de despejo”

Apesar de ser um livro extremamente duro, existe também uma coisa bela em Carolina e na forma como ela conta seus dias pobres e difíceis: A presença da Religião como norte e força motivadora. Em diversos momentos Carolina busca Deus para apaziguar seus conflitos internos, e mesmo nas mais singelas coisas ela encontrou uma beleza divina.

“ 30 de agosto … Hoje os meninos vão comer só pão duro e feijão com farinha [...] Estou com frio. E graças a Deus não estamos com fome. Hoje Deus está me ajudando.”

Carolina Maria de Jesus foi uma extraordinária, sempre que a mulher podia ajudar as pessoas, e acreditava fielmente na potássio das crianças

“ 30 de novembro … Vi um menino mexendo no pé. Fui ver o que havia. Era um espinho. Retirei um alfinete do vestido e tirei o espinho do pé do menino. Ele foi mostrar o espinho para o seu pai. O menino me olhou. Que olhar! Pensei: arranjei mais um amiguinho.”

SOBRE O LIVRO: Quarto de Despejo: o diário de uma favela após 3 dias de lançamento já havia vendido mais de 10 mil exemplares, a obra foi traduzida para mais de 13 idiomas e é até hoje material de estudos socioculturais no Brasil e no exterior. Portanto, essa é uma leitura essencial para todo e qualquer brasileiro, pois mostra que o mundo vai além dos muros que podemos ver, após a leitura dessa obra literária contemporânea o sentimento que fica é algo como o Ubuntu**, algo que lembra que “triunfo, se não for coletivo é do sistema”, nos lembra a empatia... e trás a indignação, nada nunca explicou ou explicará porque em um país onde se produz tanta comida haja tanta gente passando
 fome.

DE OLHO NO ENEM

Questão do Enem - 2022
Fui na delegacia e falei com o tenente. Que homem amável! Se eu soubesse que ele era tão amável, eu teria ido na delegacia na primeira intimação. […] O tenente interessou-se pela educação dos meus filhos. Disse-me que a favela é um ambiente propenso, que as pessoas tem mais possibilidade de delinquir do que tornar-se útil a pátria e ao país. Pensei: se ele sabe disto, porque não faz
um relatório e envia para os políticos? O Senhor Jânio Quadros, o Kubstchek, e o Dr. Adhemar de Barros? Agora falar para mim, que sou uma pobre lixeira. Não posso resolver nem as minhas dificuldades.
… O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora.
Quem passa fome aprende a pensar no próximo, e nas crianças.

JESUS, C. M. Quarto de despejo: diário de uma favelada.
São Paulo: Ática, 2014.

A partir da intimação recebida pelo filho de 9 anos, a autora faz uma reflexão em que transparece
a) lição de vida comunicada pelo tenente.
b) predisposição materna para se emocionar.
c) atividade política marcante da comunidade.
d) resposta irônica ante o discurso da autoridade.
e) necessidade de revelar seus anseios mais íntimos.

Comentário: A autora Carolina Maria de Jesus, ao receber uma intimação pelo filho, apresenta questionamentos direcionados ao tenente carregados de um teor irônico: “se ele sabe disto, porque não faz um relatório e envia para os políticos? O senhor Jânio Quadros, o Kubitschek e o Dr. Adhemar de Barros? Agora falar para mim, que sou uma pobre lixeira.”. Ou seja a questão correta é a "D" 
A fome é Amarela: Vacas magras é uma intervenção urbana composta de dez esculturas com forma de vacas esqueléticas em tamanho real. Idealizada em 2011, tem como objetivo chamar a atenção para as consequências da seca do nordeste com foco, principalmente. https://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/quem-marcia-pinheiro-artista-autora-da-vaca-magra-instalada-em-frente-bolsa-de-sao-paulo-25312223

** Ubunto: "A Filosofia Ubuntu resgata a essência de ser uma pessoa com consciência de que é parte de algo maior e coletivo. Para isso, de acordo com os fundamentos da Filosofia Ubuntu, somos pessoas através de outras pessoas e que não podemos ser plenamente humanos sozinhos, sendo feitos para a interdependência." https://www.pordentrodaafrica.com/cultura/ubuntu-filosofia-africana-que-nutre-o-conceito-de-humanidade-em-sua-essencia
O Livro "Quarto de despejo" faz parte do acervo da sala de leitura.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 2019.
Para baixar o livro: https://www.coletivoleitor.com.br/wp-content/uploads/2019/11/quarto-de-despejo.pdf

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