Contos Tradicionais do Brasil: para jovens - Luís da Câmara Cascudo - Projeto Imersão Literária da E.E. Otto Weizsflog

 “O folclore é a história do povo contada em versos e rimas.”  Câmara Cascudo


Luís da Câmara Cascudo, o Colecionador de Crepúsculos, nasceu em Natal, no 30 de dezembro de 1898 falecendo em 30 de julho de 1986) foi um historiador, sociólogo, musicólogo, antropólogo, etnógrafo, folclorista, poeta, cronista, professor, advogado e jornalista brasileiro. Considerado um dos mais importantes escritores e estudiosos da cultura popular brasileira, com destaque para o nosso folclore. 

.Disponível em nossa sala de leitura

Obra: Contos Tradicionais do Brasil: para jovens
Autor (a) : Luís da Câmara Cascudo
Ilustrações : Jô Oliveira

Sinopse

A leitura de Contos tradicionais do Brasil para jovens possibilita ao aluno-leitor conhecer um pouco do vasto trabalho de Luís da Câmara Cascudo, um dos mais importantes pesquisadores e estudiosos das raízes étnicas do Brasil. As histórias, anônimas em sua autoria, recolhidas da voz do povo, na sua maioria do sertão da Paraíba e do Rio Grande do Norte, revelam informações históricas e sociais e evidenciam crenças, costumes e valores.

Segundo o próprio autor, ao lado da literatura, do pensamento intelectual letrado, correm as águas paralelas, solitárias e poderosas da memória e da imaginação popular. Divididas em doze seções – contos de encantamento, contos de exemplo, contos de animais, facécias, contos religiosos, contos etiológicos, demônio logrado, contos de adivinhação, natureza denunciante, contos acumulativos, ciclo da morte e tradição – as histórias resgatam aspectos de nossa cultura, de nosso folclore.

CONTO - A PRINCESA ADIVINHADORA 

Era uma vez um rei que tinha uma filha muito inteligente e perspicaz.

Quando se pôs moça, não havia problema que ela não decifrasse nem pergunta que ficasse sem resposta. O rei ficou tão orgulhoso da prenda da princesa que disse dar a mão em casamento a quem desse uma adivinhação e ela não destrinchasse em três dias. Muita gente correu para ganhar a mão da princesa, mas ela explicou todas as charadas e os candidatos apanhavam uma surra, voltando envergonhados. Os tempos foram se passando e ninguém aparecia para vencer a princesa.

Muito longe da cidade vivia uma velha com um filho muito amarelo, mas sabido como ele só. O rapaz entendeu de tentar a sorte e não houve conselho que o arredasse desse desejo. Agarrou uma espingarda e tocou-se para a cidade.

Depois de muito caminhar, sentindo fome, procurou caçar e avistou um veado comendo. Foi devagar e largou-lhe um tiro que o matou. Indo esfolar verificou que era uma veada, com uma veadinha no ventre. Tirou o couro e seguiu viagem. Adiante encontrou os carpinteiros trabalhando numa Igreja e colocaram um altar muito velho do lado de fora. O rapaz carregou as tábuas desse altar. Adiante parou, fez uma fogueira com os paus do altar, assou a veadinha e comeu. Estava comendo quando viu que um jumento morto ia descendo pelas águas do rio, com muitos urubus trepados em cima. Bebeu água que estava entre as folhas das macambiras.

Logo que chegou à cidade procurou o palácio do rei e disse que queria apresentar um problema. No dia marcado, a princesa veio para o salão, com muito povo, e o rapaz amarelo sentou-se em cima do couro da veada e disse:

Atirei no que vi
Fui matar o que não vi.
Foi com madeira santa
Que cozinhei e comi.
Bebi água não do céu...
Um morto vivo levava.
O que me serve de assento,
Acerte, para seu tormento.

A princesa pensou, pensou, matutou, matutou e pediu três dias para estudar. Vendo que não arranjava nada, mandou uma criada fazer-se de namorada do amarelo e saber o segredo. O amarelo conversou e pediu que a moça lhe desse a camisa que ele dizia o segredo. A moça cedeu e ele deu umas explicações sem pé e sem cabeça. A princesa mandou outra criada e saiu a mesma coisa. Foi ela mesma na terceira noite, e o rapaz pediu a camisa, recebeu-a e deu a explicação direita.

Quando ficaram todos no salão, a princesa contou tudo direitinho. Atirei num veado, matei uma veada com uma veadinha. Assei a comida com lenha que fora do altar. Bebi água da macambira. Um jumento morto ia levando uma porção de urubus. Ficou sentado em cima do couro da veadinha.

Fizeram muita festa à princesa e o rei ia mandar dar uma surra no amarelo quando este pediu que o deixassem falar. O rei deixou. O amarelo disse:

Quando no Paço cheguei
Três pombinhas encontrei,
Três penas já lhes tirei

E foi mostrando as camisas das criadas. Quando ia puxando a camisa da princesa, esta correu para ele e disse que queria casar, que gostava muito do rapaz e só adivinhara porque ele mesmo dissera. O rei fez o casamento e foram todos muito felizes.

CASCUDO, Luís da C. Contos tradicionais do Brasil. 13. ed., 6ª reimp. São Paulo: Global, 2009.E agora mostrarei!

O PEIXINHO ENCANTADO

Era uma vez uma velha que tinha um filho tão preguiçoso que parecia parvo. Vivia deitado ao calor da lareira, dormindo. A velha saía para ganhar a vida e, quando voltava, o filho estava na mesma posição, dormindo. Um dia, estava-se em dezembro e nevava, acabou-se a lenha para o fogo e a velha, perdendo a paciência, gritou-lhe:

— Sai-te daí mandrião! Leva essas cordas e o machado e busca um molho de lenha senão morreremos de frio esta noite. Vai-te daí, mandrião! O mandrião, a quem chamavam João Parvo, levantou-se muito desgostoso e se foi arrastando os pés para o bosque, buscar lenha. Quando passou pelo terreiro do rei, a filha deste estava na varanda, com as damas, e vendo o andar desajeitado de João Parvo desatou a rir com vontade. João continuou até o bosque e quando lá chegou em vez de trabalhar escolheu um lugar para deitar-se e dormir, o que fez em seguida. Perto havia uma lagoa e o Parvo meteu a mão na água, pegando sem querer num peixe. Agarrou-o depressa, tirando-o para fora. Qual não foi a sua surpresa ouvindo o peixe falar. Era um peixe pequenino, com escamas brilhantes como prata.

— Solta-me, João. Se o fizeres dar-te-ei todo o poder. Bastará dizeres: Com o poder de Deus e do meu peixinho, para que seja feita a tua vontade.

O preguiçoso, para não ter que fazer, largou o peixinho que mergulhou e desapareceu na lagoa. João acomodou-se e dormiu até à tarde. Acordando, lembrou-se da lenha e da promessa do peixinho. Mesmo sem acreditar, disse as palavras:

— Com o poder de Deus e do meu peixinho quero um feixe de lenha seca, da melhor possível.

Palavras não eram ditas apareceu um feixe de lenha magnífica. O mandrião nem pôde abalar-lhe 0 poso. Sentou-se em cima, pegou do machado e disse:

— Com o poder de Deus e do meu peixinho Quero que esse feixe me leva até a casa…

Imediatamente o feixe saiu correndo como se fosse um carro, com João trepado a todo cômodo. Atravessando a praça, a princesa avistou-o e riu com todo prazer. João, zangado com a vaia, pediu ao peixinho que a princesa tivesse um filho dele.

Chegando a casa, aceso o lume, João deitou-se no quente e toca a dormir. No outro dia, tendo fome, pediu,:

— Com o poder de Deus e do meu peixinho quero comida da melhor que houver. A mesa encheu-se de iguarias saborosas. João comeu a far-lar e voltou a dormir. A velha, voltando pela noite, ficou admirada com as provisões da casa. Ficaram vivendo muito- bem.

Sucedeu que a princesa teve um filho e o rei andava furioso para saber quem era o pai do seu neto. A moça não sabia explicar e só se falava neste assunto. Finalmente o rei mandou juntar toda a gente da cidade na praça e andar pelo meio dela com a princesa que levava o filho com uma bo-

linha de ouro na mão. A quem êle a entregasse seria o pai. Reuniram-se todos os homens e a princesa andou pelo meio sem que o menino desse sinal. Quando iam passando diante de João, o pequeno estendeu a mão e entregou a bolinha de ouro, dizendo, em claras vozes: Este é o meu pai!

O rei casou-o com sua filha, mandou fazer uma grande caixa, meteu dentro a princesa, o filho e o João, e sacudiu-os no mar. Foi a caixa boiando, levada pelas ondas e João deitado e dormindo, tranqüilamente. A princesa, depois de muito chorar, acordou o dorminhoco com uns bons repelões. João acordou e, com o poder do peixinho, arranjou comida farta e bebida. À noite a princesa tornou a despertar o marido com umas sacudidelas fortes, e João pediu ao peixinho que encalhasse a caixa numa 1 praia perto do palácio do rei seu sogro. Assim se fez.

Saíram todos da caixa e a princesa, vendo que ia dormir ao relento se não sacudisse o mandrião, fê-lò com tanta vontade que João voltou a pedir ao peixe:

— Com o poder de Deus e do meu peixinho quero um palácio maior e mais bonito do que o do rei, com toda criadagem, carruagens, despensa cheia, e preparado com todo gosto.

Apareceu um palácio grande e bonito que era um condado. João, a mulher e o filho recolheram-se, com a criadagem a servir, mesa posta, tudo do melhor.

O rei velho estava uma tarde na torre do seu palácio quando avistou umas torres que não conhecia. , Mandou um fidalgo verificar o que era, e este voltou contando ter visto um palácio ainda mais bonito e maior que o do rei.

Picado no orgulho, o rei foi ver que palácio era esse. Foi recebido com todos os agrados mas não reconheceu João porque este estava muito bem vestido e tratado. A filha não lhe apareceu, Na hora do jantar, depois de ter visitado o palácio, o rei serviu-se muito bem, conversando, e João pediu ao peixinho que coloca-se no bolso do rei um dos talheres de ouro da mesa. Depois mandou contar os talheres e disse que faltava um. O rei logo procurou nos bolsos e encontrou o talher, ficando todo confuso.

— Este talher cá está, mas não sei como aqui veio parar!
João respondeu:

— Da mesma forma que sua filha foi mãe! Deu-se a conhecer, mandou chamar a princesa e o filho, e o rei velho a todos abençoou e abraçou, chorando de alegria. Viveram na paz e com felicidade.

Leitura online: 


CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil para jovens. 2. ed. São Paulo: Global, 2006





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