A DEFESA NÃO É SÓ DA FILOSOFIA: Prof. Chico Gretter

EXCELENTE CONTRIBUIÇÃO DO PROF. CHICO GRETTER, PRESIDENTE DA APROFFESP EM DEFESA DA PERMANÊNCIA DA FILOSOFIA E DA SOCIOLOGIA COMO MATÉRIAS OBRIGATÓRIAS NO ENSINO MÉDIO E PELA VALORIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS HUMANAS


A fundamental presença da Filosofia/Ciências Humanas no currículo escolar ou A farsa do “novo ensino médio” (Prof. Chico Gretter*) As Plenárias que ocorrem nesse dia 08 de junho de 2017 em várias regiões do Estado, organizadas pela APROFFESP, com abono de ponto para os professores de Filosofia, tem como eixo central o título deste artigo. Consideramos que a presença das Ciências Humanas e da Filosofia é fundamental no currículo escolar do ensino médio e também do fundamental. E quando dizemos “fundamental”, não é apenas um recurso de retórica, não é uma frase de efeito que os sucessivos governos usam para mascarar suas reais intenções que, no fundo, não levam em conta a formação integral dos jovens; eles estão preocupados mesmo é com a preparação de mão de obra para o mercado de trabalho no sistema capitalista, o grande “deus” que domina tudo. Não é este o conceito que temos de “mundo do trabalho”, que envolve todas as dimensões do ser humano, em que a categoria do trabalho surge como essencial para a realização individual e social de cada um e de todos. Para os defensores do tal “novo ensino médio”, a educação humanista, crítica, criativa não entra na conta de seus cifrões! Mas o que sustenta o viés tecnicista do da Lei n° 13.415/17, sancionada em fevereiro passado com a aprovação da MP n° 746/16, cuja cópia enviamos junto aos textos básicos das Plenárias? Há também o artigo de Ivo Lima sobre o assunto, bem como o documento consultivo do MEC, apresentado pelo ex-ministro da Educação do ex-governo Dilma Rousseff, o professor/doutor Renato Janine Ribeiro – USP. Aliás, o fato dele ter sido chamado pela ex-presidente e logo depois ter sido demitido, voltando ao cargo o também ex-ministro Aloísio Mercadante, já revelava as intenções daquele governo: levar adiante a mesma reforma que o atual governo realizou, talvez sem os disfarces com que o petismo de cúpula tentava fazer. A final, Dilma, em entrevista num programa da Globo durante a campanha de 2014, deixou escapar uma pérola ao dizer que “havia matérias demais do currículo” e citou, desastradamente, a presença da Filosofia no ensino médio como sendo uma dessas matérias! Aí ela já apontava para o seu lema da “Pátria Educadora” (vejam no You Tube entrevista que dei no Flix TV em 2015). Aliás, Dilma revelava naquela entrevista o seu pouco conhecimento na área da educação, como em muitas outras. Talvez por isso mesmo tenha caído, o que não justifica o golpe que lhe deram. Bem, Dilma não sobreviveu para cumprir suas promessas de campanha. Que promessas fez? Que promessas cumpriu? Voltemos ao “novo ensino médio” e suas fundamentações político-filosóficas, se é que as tem. Pelo menos na proposta do componente curricular de Filosofia, História, para citar apenas duas disciplinas, o que acontece é um desastre teórico-metodológico, pois não há unidade, não há referência às grandes linhas do pensamento filosófico-educacional brasileiro e mundial; a proposta apresentada no site do MEC é superficial, incompleta, desarticulada, apresentando um rol de conteúdos esparsos, conseguindo ser pior do que os “cadernos do professor” distribuídos pelos governos tucanos através da Fundação Vanzolini, uma terceirizada que reuniu gatos e sapatos para produzir os materiais que compõem o currículo da escola pública paulista. Ambas as propostas vão na contramão da antiga sabedoria expressa por um dos antigos Mestres, Jesus de Nazaré, nos Evangelhos: “Não se coloca remendo novo em pano velho”! Jesus revela aqui seu pragmatismo, vejam só. Mas é vero! Esse tipo de procedimento não funciona. Não é o que estão querendo fazer com a Lei 13.415/17? Não nos parece um retrocesso ao tecnicismo da Lei n° 5.692/71 da ditadura civil-militar? O que Demerval Saviani irá denominar como “neotecnicismo”, pois vem travestido de belos conceitos com as “áreas do conhecimento”, as “competências e habilidades”, a “inter-multi-transdisciplinaridade”, a “formação integral do educando, sua preparação para a vida e o mundo do trabalho” (leiase formação em tempo integral para o mercado de trabalho...). Não foi no que deu o tecnicismo dos tempos da ditadura? Não ocorreu a piora na qualidade do ensino e precarização da carreira do professor, a ponto de o próprio governo militar de João Figueiredo, em 1982, chamar uma reforma da educação com a volta das disciplinas clássicas? Vejam a Lei n° 7.044/82. No mais, OSPB (Organização Social e Política Brasileira) e EMC (Educação Moral e Cívica), que haviam substituído Filosofia, Sociologia...teriam já cumprido o seu papel ideológico de sustentação do regime militar e sua Doutrina de Segurança Nacional a qual apenas garantia o atrelamento da economia e da política dos países latino-americanos ao capitalismo internacional liderado pelos EUA no contexto da Guerra Fria do pós-Segunda Grande Guerra. Essa tese é defendida por eminentes teóricos que estudaram a educação brasileira a partir dos anos 60, como Demerval Saviani, Paulo Freire, Miguel Arroyo, Florestan Fernandes, Maurício Tragtenberg, A. J. Severino, Marilena Chauí, para citar alguns. O pessoal do movimento “escola sem partido” irá reclamar, irão nos acusar de “doutrinação ideológica”, pois são todos “intelectuais de esquerda”! Ora, indiquem algum “intelectual de direita” que tenha estudado com profundidade a educação brasileira e os citarei aqui. Não tememos o debate franco e aberto, mesmo porque não serão leis inconstitucionais as quais pretendem fazer aprovar que impedirão o debate livre das ideias, um dos alicerces magnos da Filosofia. Para mostrar esse viés tecnicista da lei do “novo ensino médio”, propagandeada já há meses através de matéria paga pelo governo federal no rádio e na TV (quantos milhões já gastaram, inclusive para difundir ideias falsas ou discutíveis sobre o assunto: que os educadores foram consultados, que há pesquisa mostrando o total apoio às reformas, etc.!?), citemos aqui somente a questão das “áreas do conhecimento” que compõe o currículo: Os PCNs (1999) traziam três áreas do conhecimento, a saber: I. Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; II. Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; III. Ciências Humanas e suas Tecnologias. Posteriormente a Matemática, dado à pressão que o lobby dos matemáticos exerceu, foi desmembrada e passou a figurar como uma área específica a mais (!?). E na atual Lei 13.415/17, aparece uma quinta área denominada “Formação técnica e profissional”. O fato da Matemática isolada compor uma “área do conhecimento”, bem como a formação técnico-profissionalizante, é um indício forte de que os objetivos da nova lei têm um viés tecnicista e profissionalizante. A exclusividade da Língua Portuguesa, do Inglês e da Matemática, se tornando as únicas matérias obrigatória do Currículo do ensino médio, além da Educação Física contemplada depois (graças ao Faustão e o lobby das empresas de material esportivo?), e a retirada da obrigatoriedade da Filosofia e da Sociologia, mesmo porque História, Geografia e as Ciências da Natureza nunca foram explicitamente citadas como obrigatórias, atestam inequivocamente o tecnicismo da proposta curricular aprovada em fevereiro passado. Não apenas isso, mas atesta um tecnicismo profissionalizante, atrelado às exigências do mercado do trabalho e suas necessidades imediatistas, muitas vezes passageiras. O que sobrará para os jovens das escolas públicas de uma formação sólida para continuarem seus estudos e mesmo para que possam ter condições de se atualizarem, o que depende uma de uma base geral que o ensino médio deveria e deve garantir? Nem falemos aqui da educação crítica que as Ciências Humanas e a Filosofia devem propiciar aos educandos do ensino médio, a (mal) dita e mal explicada formação para o “exercício da cidadania”, que fica reduzida ao que, por exemplo, os defensores do “escola sem partido” certamente pretendem com seu orquestrado, midiático e bem pago projeto: ressuscitar talvez a “Educação Moral e Cívica”, hoje reciclada em “Ética e Cidadania” e outros lindos e desvirtuados conceitos. E como não estamos mais numa ditadura militar, com seus livrecos verde-amarelos impostos aos professores da época, as ideias pervertidas do neotecnicismo nos serão sutilmente colocadas pela grande mídia via educação à distância ou por zelosos funcionários da “nova educação do terceiro milênio”, formados e colocados em postos chaves da burocracia estatal burguesa para ajudarem os novos professores a seguirem a cartilha, a velha cartilha com roupa nova: preparar mão de obra dócil, educada e eficiente para o mercado de trabalho que premiará os mais competentes e, claro, espertos! Esta é a lógica da dominação via educação pública. Já as escolas particulares continuarão formando a classe média, que acalenta o sonho em ser dominante um dia, ou as elites econômicas que se tornam elites intelectuais acadêmicas do status quo, para continuarem mandando e justificarem a dominação de classe. Não é isso que tem acontecido? As escolas das elites econômicas não perderão tempo nem para ler a nova lei, já que continuarão com a boa e velha formação científica, preparando as novas lideranças do sistema, com o velho verniz humanista dos homens de bem da burguesia, estes os melhores, os mais bem formados, os mais competentes, etc., que concluirão sua formação nas melhores universidades públicas do país, que são as melhores do ensino superior se comparadas com as privadas; e os melhores continuarão sua formação em cursos de MBA aqui e principalmente do exterior, sendo que os melhores entre os melhores serão cooptados pelos países centrais do sistema econômico capitalista mundial. Há outra saída? E o que restará para os filhos dos trabalhadores que na sua maioria frequentam as escolas públicas? Terão alguma chance de irem além da mão de obra técnico-profissionalizante de nível médio? Estas perguntas a propaganda enganosa do governo não respondem. Dentro dessa ótica neotecnicista, vocês acham que Filosofia, Sociologia, História, e a nova Geografia crítica têm algum espaço? Penso que não; e é por isso que as Ciências Humanas ficam cada vez mais relegadas ao segundo plano dos planos de educação federal ou estaduais. Mas a nova Base Nacional Comum ainda não foi definida e, portanto, há chance de revertermos o nosso isolamento. Como? Vejamos, a “nova lei do novo ensino médio”, conforme análise da maioria dos importantes especialistas em educação do país, continuará reproduzindo a velha escola dualista tradicional, tanto socialmente como epistemologicamente. A escola dualista que marca a história da educação brasileira desde a colônia, forma, de um lado, os filhos dos trabalhadores como mão de obra profissionalizante para o mercado de trabalho e, do outro, forma os filhos da classe dominante (burguesia) para perpetuarem a dominação, tanto política como econômica, científico-tecnológica e cultural. A escola dualista ainda continuará reproduzindo o dualismo dos que realizam o trabalho físico, manual, técnico-repetitivo (mesmo em “altas funções” no setor de serviços) e daqueles que se formam como intelectuais do sistema, seja no campo da ciência e da tecnologia, como no campo das mídias, da cultura, da política e da educação! Todavia, resta-nos aqui uma esperança, nós que defendemos um outro tipo de educação de qualidade e para todos, cujas bases epistemológicas são outras. Uma coisa é a educação tradicional-liberal, a escola nova ou a tecnicista; outra coisa é a educação dialética, histórico-crítico-social. Que saída podemos vislumbrar para romper com o tecnicismo e o dualismo e o elitismo da educação brasileira? Na frase que conclui o parágrafo acima, cito a educação! Ora, é justamente nessa área e principalmente no da educação pública é que se concentra um grande “exército” de trabalhadores, profissionais da educação, que vai na contracorrente do grande “deus” do mercado ou do Minotauro da educação pautada pelo tecnicismo e pela meritocracia. Somente nós podemos e temos ainda forças para reagir a esta avalanche ditada pelo mercado e seus adoradores, como o MBL, o “escola sem partido”, a maioria dos deputados e senadores do Congresso Nacional, comprados, corrompidos e vendidos pelos donos do dinheiro, da lógica empresarial e do capital global. Nós, educadores da escola pública em todos os níveis, ainda podemos reagir antes que a quadrilha que se apossou do Brasil feche o cerco de vez e faça aprovar todas as suas reformas, seja da Previdência, a trabalhista, a política, como já fizeram com o ensino médio, o teto dos gastos públicos. Mas ainda podemos lutar nas instâncias estaduais, nos conselhos de educação, nas conferências, nas ruas, junto aos nossos alunos, suas mães e pais trabalhadores. Não será fácil, mas é possível. Precisamos reagir a essa cruel investida dos inimigos da educação pública de qualidade, das Ciências Humanas em geral e da Filosofia, em particular. Precisamos informar nossos alunos e suas famílias do engodo dessas reformas, precisamos convencer nossos colegas professores de todas as áreas para a grande mentira que é esse “novo ensino médio”, precisamos conscientizar a sociedade brasileira do crime que estão querendo cometer contra a maioria de nossos jovens, embora passem uma imagem de modernização da educação e apelem para a falsa “liberdade de escolha”, a farsa dessa pseudoliberdade vendida pelas propagandas governamentais diárias, pagas pelo dinheiro dos impostos que os governos arrecadam do nosso trabalho. Deixamos claro aqui que não somos contra a modernização da educação, que não somos contra o ensino tecnológico e a preparação para o mundo do trabalho; nós educadores conscientes não somos contra a tecnologia e nem contra o mercado, nem contra a formação profissional e a competência que devemos ter, além do nosso compromisso com a formação humana e com a humanidade, com os valores da ética e da cidadania. Somos contra a deturpação que fazem desses valores, contra a farsa de reformas que não levam em conta os verdadeiros problemas que afetam a educação e os educadores do país. Somos contra o engano dos que, certamente iludidos pela propaganda, acreditam nessas reformas que não mexem nas verdadeiras causas da baixa qualidade da educação em nosso país. Nós professores de Filosofia, ao que nos cabe pela especificidade de nossa disciplina, somos contra a farsa, as falsas e fáceis soluções; nós lutamos contra as sombras da caverna descrita por Platão há mais de dois mil e trezentos anos atrás em Atenas, após a injusta morte de seu mestre Sócrates, condenado por um bando de políticos e mercenários corrompidos, preconceituosos e que não vacilaram em entregar a grande Atenas nas mãos de trinta tiranos para que mantivessem seus privilégios, mordomias e mentiras. Quem está traindo a Atenas de hoje? Certamente não somos nós professores, educadores, funcionários, pais e alunos. O que nos falta para reagir ao desrespeito e à destruição da escola pública orquestrada por sucessivos governos nas últimas décadas? Quanto a nós, professores de Filosofia, temos o dever político-pedagógico de, contemplado a luz da realidade para além das sombras da caverna, voltarmos para ajudar nossos amigos acorrentados e ainda iludidos pelas sombras que parecem reais. Esta é a mensagem da Alegoria da Caverna, de Platão, que nos impele para além das sombras que ofuscam nosso entendimento do que é verdadeiro, do que é bom, belo e justo. Parece idealismo, mas não é isso que pretendo expressar aqui. É apenas uma metáfora da antiga e tão atual narrativa de Platão, que fundou um dos primeiros centros de Conhecimento da Antiguidade, a sua Academia, em Atenas na Grécia. Suas ruínas ainda estão lá...ruínas de pedras e no presente as ruínas dos continuam a matar o saber e os que o cultivam. E para isto que as reformas do atual e ilegítimo governo apontam! Mas a questão da Filosofia não é apenas teórica, acadêmica, de definições da verdade relativa ou absoluta, mas uma questão prática; e a práxis é o critério da verdade (Marx). Mas a práxis não é ativismo, o agir por agir, pois a prática sem Teoria é cega, da mesma forma que a teoria sem prática é alienação. Esta verdade da Dialética é insuperável, não é de “esquerda” e nem de “direita”, nem de “centro”, é a Razão que se projeta na consciência e na realidade não como coisa, objeto, mas como movimento dinâmico do ser em construção permanente e sempre inacabado. Assim sendo, quando defendemos a presença essencial da Filosofia e das Ciências Humanas no processo educativo e consequentemente no currículo do ensino médio, não estamos defendendo um interesse corporativo desta ou daquela disciplina, muito menos a defesa da Filosofia, pois ela não precisa de defesa; os que a atacam e querem eliminá-la das escolas, da educação, do currículo, da sociedade o fazem com muitos argumentos filosóficos ou falácias que seduzem e enganam. A Filosofia não deixará jamais os enganadores em paz. Estamos apenas defendendo o direito de todos os jovens de terem acesso ao patrimônio cultural, científico, tecnológico, ético e político da humanidade e que possam refletir sobre todos eles. Negar isso aos jovens e aos professores é negar a própria essência da educação.

*Francisco P. Greter É professor universitário e do ensino médio, mestre em Filosofia e História da Educação - FEUSP, presidente da APROFFESP.

http://aproffesp.org/files/PDF/plen%C3%A1rias/2017/A_fundadamental_presena_da_Filosofia_Recuperao_Automtica.pdf

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