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Mais uma vez repetindo o óbvio. (Profa Lúcia Peixoto no IV ENCONTRO APROFFESP - 2018 )

Mesa Temática: Os Direitos Humanos as diversidades e o Papel da Filosofia.



"Os Direitos Humanos, as diversidades e o papel da Filosofia” O presente ensaio lança um olhar panorâmico numa perspectiva filosófica sobre a realidade dos Direitos Humanos na Sociedade contemporânea. Discutindo a dicotomia entre os avanços e transformações por que passa a humanidade, fruto das tecnologias de comunicação e informação, e ao mesmo tempo a petrificação de paradigmas culturais no tocante ao respeito a diversidade e aos Direitos Humanos. Tomando para análise a categoria “mundo contemporâneo” é fácil constatar que muitos nomes estão sendo utilizados para descrever esse cenário de transformações porque passa o planeta nos dias atuais. No entanto cabe à filosofia perguntar: As novas tecnologias de comunicação e informação produziram uma verdadeira mudança cultural, atingindo a vida de todas as pessoas?

E aqui, abro um parênteses filosófico: Como é que nós professoras e professores, filósofas e filósofos lidamos com a diversidade? Como a filosofia ao longo da história tem se relacionado com os Direitos humanos?

Sabe-se que a História dos Direitos Humanos precede até mesmo a história do pensamento filosófico uma vez que remonta ao início da civilização. O Tempo não nos permite aqui um balanço sobre essa complexa relação, tema de estudo de muitos filósofos, que se propuseram a investigar a “relação entre o indivíduo e o coletivo”. Nos limitaremos ao exposto por Hannah Arendt

“Em “As Origens do Totalitarismo”, importante livro de Hannah Arendt (1906-1975), há um fragmento provocativo, que nos remete a uma reflexão sobre algumas perplexidades e paradoxos dos direitos humanos. Esse precioso livro discute o antissemitismo, o imperialismo e, principalmente, os regimes totalitaristas. O livro foi escrito nos Estados Unidos, originariamente em inglês (que não era a língua materna de sua autora), em contexto de muita angústia, que marcou o pós-guerra. É mais um desdobramento intelectual das denúncias que se colhiam contra o nazismo e o estalinismo. Trata-se de livro emblemático dos tempos da guerra fria. Os temas e posições que Hannah Arendt enfrentou e revelou, no entanto, são absolutamente atuais. Há direitos humanos sem vínculo de seus titulares com alguma forma política organizada e detentora de força que os garanta?”

Os direitos humanos (ou qualquer outra garantia, a exemplo da igualdade), segundo Hannah Arendt, ao contrário de quase tudo que afeta a existência humana, não é um dado, mas o resultado da ação de organização humana, ainda que orientada para princípios de justiça. Para Arendt, não se nasce igual, torna-se igual. O pertencimento a um grupo politicamente organizado é que garante essa decisão e essa constatação.

A crítica de Hannah Arendt aos Direitos Humanos, diz que a cidadania é algo fundamental para a garantia dos direitos humanos e que essa é uma condição que inviabilizava o acesso dos grupos de apátridas e dos refugiados aos direitos básicos, que sempre foram considerados universais pela tradição jusnaturalista, pois, esses grupos haviam perdido o que ela chamou de “direito a ter direitos”.

Do ponto de vista da “legalidade” os direitos humanos e a diversidade estão assegurados desde 1948, quando da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que globalizou a discussão dos direitos humanos, forçando aos Estados Nacionais a integrarem seus princípios nos seus respectivos ordenamentos jurídicos. No Brasil esses direitos são corroborados na Constituição de 1988 em seu Art. 5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”. No entanto, na prática a teoria é outra!”

No Brasil temos assistido um avanço “Temeroso” de forças políticas reacionárias que vão na contramão da garantia à diversidade e aos direitos básicos para o desenvolvimento humano. No que se refere a “ideologia de Gênero”, por exemplo, muito embora tenha havido aparentes avanços, com o tema ocupando a mídia e até as pautas políticas percebemos que ainda há muito preconceito e hipocrisia haja visto a absurda redação do PL 7180/14 “chamado escola sem partido” que ameaça alterar a LDB para afastar a possibilidade de oferta de disciplinas com o conteúdo de "gênero" ou "orientação sexual", ou seja, o setor mais reacionário da sociedade se mobiliza para fazer retroceder qualquer avanço que tenha havido no sentido de respeito à diversidade, daí a ameaça de por outra vez no exilio a disciplina de Filosofia e demais disciplinas que visam a promoção do desenvolvimento critico emancipatório.

Por fim, cabe-nos inquerir: A quem interessa esse retrocesso? Por que calar a Filosofia, acusando-a de apologia a ideologia de gênero? O que se entende por “Ideologia de gênero?

O que é ideologia de gênero?
No sentido negativo do termo (falsa consciência das relações de dominação), ideologia de gênero é: sexismo (discriminação de sexo), machismo (subordinação das mulheres), androcentrismo (dominância de normas e valores masculinos), misoginia (depreciação das mulheres e dos valores femininos), heterossexismo (imposição da heteronormatividade, com consequente homo/lesbo/transfobia, rejeição de pessoas que assumem formas de sexualidade diferentes da heterossexualidade), analogamente ao racismo, classimo, capacitismo etc.

Daí a conclusão dos que atacam a “ideologia do gênero” a “denunciada como uma forma de ‘doutrinação neototalitária’, de raiz marxista e ateia (...) camuflada em discursos sobre emancipação, liberdade e igualdade proferidos por extremistas ambientalistas, neomarxistas e outros pós-modernos”.

Segundo Junqueira o chamado “combate a ideologia de Gênero” funciona como um slogan catalisador de manifestações contrárias a políticas sociais, reformas jurídicas e ações pedagógicas de promoção dos direitos sexuais e punição de suas violações, de enfrentamento de preconceitos, prevenção de violências e combate a discriminações (hetero)sexistas (JUNQUEIRA, 2017, p. 48) – ou seja, contrárias à legalização do aborto, à criminalização da homotransfobia, à legalização do casamento igualitário, ao reconhecimento da homoparentalidade, à extensão do direito de adoção a genitores de de mesmo sexo, e às políticas educacionais de igualdade/diversidade sexual e de gênero.

No campo filosófico é preciso fazer emergir novos paradigmas que nos possibilitem ampliar o olhar no sentido de abarcar em nossa ação diária pedagógica não somente o “discurso de respeito a diversidade” mas a pratica emancipatória. Edgar Morin nos apresenta algumas possibilidade de avançar nesse sentindo com o “paradigma da complexidade”. O Filosofo e Sociólogo parte de um conceito de inspiração kantiana para a construção de sua teoria ética, porém, em lugar dos imperativos provindos da razão prática (Kant), na Ética da complexidade, o imperativo provém de três fontes, uma fonte interna, análogo à consciência do sujeito; uma fonte externa, simulada pela cultura, pelas crenças e pelas normas pré-estabelecidas na comunidade; e de uma fonte anterior própria à organização dos seres vivos e transmitida geneticamente. A complexidade apresentada por essa ética nos exige uma reflexão sobre quão concernente são as escolhas morais que temos de fazer em nosso cotidiano. O Paradigma da complexidade pode ser um facilitador para “diminuir miopias e cegueiras e abrir a esperança a novos horizontes. A busca do esforço cósmico desesperado que, no ser humano, toma a forma de uma resistência à crueldade do mundo é o que eu chamaria de esperança. “

Referencias Bibliográficas:
Arendt, Hannah, As Origens do Totalitarismo, São Paulo: Companhia das Letras, 2012, pp. 395 e ss. Tradução de Roberto Raposo

JUNQUEIRA, Rogério Diniz. “Ideologia de gênero”: um dispositivo retórico de uma ofensiva antifeminista. In: Alfrancio Ferreira Dias; Elza Ferreira Santos; Maria Helena Santana Cruz (org.). Gênero e sexualidades: entre invenções e desarticulações. Aracaju: Editora IFS

MORIN. Edgar. O Método 1, 2, 3, 4, 5,6 (Coleção). Editora Sulina, 2005.

Confiram os videos: https://youtu.be/pOdFhxzKigo

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